O Encontro de Zé Pelintra e Lampião
Por Fernando Sepe
Um dia desses,
passeando por Aruanda, escutei um conto muito interessante. Uma história sobre
o encontro de Zé Pelintra com Lampião...
Dizem que tudo
começou quando Zé Pelintra, malandro descolado na vida, tentou aproximar - se
de Maria Bonita, pois a achava uma mulher muito atraente e forte, como ele
gostava. Virgulino, ou melhor, Lampião, não gostou nada da história e veio
tirar satisfação com o Zé:
_Então você é o tal
do Zé Pelintra? Olha aqui cabra, devia te encher de bala, mas não
adianta...Tamo tudo morto já! Mas escuta bem, se tu mexer com a Maria Bonita de
novo, vou dá um jeito de te mandar pro inferno...
_Inferno? Hahahaha,
eu entro e saiu de lá toda hora, num vai ser novidade nenhuma pra mim!_
respondeu o malandro _ Além do mais, eu nem sabia que a gracinha da
"Maria" tinha um "esposo"! Então é por isso que ela vive a
me esnobar!
_Gracinha? Olha aqui
cabra safado, tu dobre a língua pra falar dela, se não tu vai conhecer quem é
Lampião!
Que isso homem, tá me
ameaçando? Você acha que aqui tem bobo?_ e Zé Pelintra estralou os dedos,
surgindo toda uma falange de espíritos amigos do malandro, afinal ele conhecia
a fama de Lampião e sabia que a parada era dura.
Mas Lampião que
também tinha formado toda uma falange, ou bando, como ele gostava de chamar,
assoviou como nos tempos de sertão e toda um "bando" de cangaceiros
chegaram para participar da briga. A coisa parecia já não ter jeito, quando um
espírito simples, com um chapéu na cabeça, uma camisa branca, cabelos
enrolados, chegou dizendo:
_Oooooooxxxxxx! Mas o
que que é isso aqui? Compadre Lampião põe essa peixeira na bainha! Oxente Zé,
tu não mexeu com Maria Bonita de novo, foi? Mas eu num tinha te avisado,
ooooxx, recolhe essa navalha, vamo conversar camaradas...
Nada de conversa,
esse cabra mexeu com a minha honra, agora vai ter! _ Disse Lampião enfurecido!
_To te esperando olho
de vidro! _ respondeu Zé Pelintra.
_Pera aí! Pela
amizade que vocês dois tem por mim, “Severino da Bahia”, vamo baixar as armas e
vamo conversar, agora!
Severino era um
antigo babalorixá da Bahia, que conhecia os dois e tinha muita afeição por
ambos. Os dois por consideração a ele, afinal a coisa que mais prezavam entre
os homens era a amizade e lealdade, baixaram as armas. Então Severino disse:
_Olha aqui Zé, esse é
o Virgulino Ferreira da Silva, o compadre Lampião, conhecido também como o “Rei
do Cangaço”. Ele foi o líder de um movimento, quando encarnado, chamado
Banditismo ou Cangaço, correndo todo o sertão nordestino com sua revolta e luta
por melhores condições de vida, distribuição de terras, fim da fome e do
coronelismo, etc. Mas sabe como é, cometeu muitos abusos, acabou no fim
desvirtuando e gerando muita violência...
_É, isso é verdade.
Com certeza a minha luta era justa, mas os meios pelo qual lutei não foram, nem
de longe, os melhores. Tem gente que diz que Lampião era justiceiro,
bem...Posso dizer que num fui tão justo assim_ disse Lampião assumindo um
triste semblante.
_ Eu sei como é isso.
Também fui um homem que lutou contra toda exploração e sofrimento que o pobre
favelado sofria no Rio de Janeiro. Nasci no Sertão do Alagoas, mas os melhores
e piores momentos da minha vida foram no Rio de Janeiro mesmo. Eu personificava
a malandragem da época. Malandragem era um jeito esperto, “esguio”, “ligeiro”,
de driblar os problemas da vida, a fome, a miséria, as tristezas, etc. Mas
também cometi muitos excessos, fui por muitas vezes demais violento e, apesar
de morrer e terem me transformado em herói, sei que não fui lá nem metade do
que o povo diz_ dessa vez era Zé Pelintra quem perdia seu tradicional sorriso
de canto de boca e dava vazão a sua angústia pessoal...
_Ooxx, tão vendo só,
vocês tem muitas semelhanças, são heróis para o povo encarnado, mas, aqui,
pesando os vossos atos, sabem que não foram tão bons assim. Todos têm senso de
justiça e lealdade muito grande, mas acabaram por trilhar um caminho de dor e
sangue que nunca levou e nunca levará a nada.
_É verdade... Bem,
acho que você não é tão ruim quanto eu pensava Zé. Todo mundo pode baixar as
armas, de hoje em diante nós cangaceiros vamo respeitar Zé Pelintra, afinal,
lutou e morreu pelos mesmos ideias e com a mesma angústia no coração que nós!
_ O mesmo digo eu!
Aonde Lampião precisar Zé Pelintra vai estar junto, pois eu posso ser malandro,
mas não sou traíra e nem falso. Gostei de você, e quem é meu amigo eu acompanho
até na morte.
_Oooooxxxxx!
Hahahaha, mas até que enfim! Tamo começando a nos entender. Além do mais, é bom
vocês dois estarem aqui, juntos com vossas falanges, porque eu queria conversar
a respeito de uma coisa! Sabe o que é...
E Severino falou,
falou e falou... Explicando que uma nova religião estava sendo fundada na
Terra, por um tal de Caboclo das Sete Encruzilhadas, uma religião que ampararia
todos os excluídos, os pobres, miseráveis e onde todo e qualquer espírito
poderia se manifestar para a caridade. Explicou que o culto aos amados Pais e
Mães Orixás que ele praticava quando estava encarnado iria se renovar, e eles
estavam amparando e regendo todo o processo de formação da nova religião, a
Umbanda...
_...é isso! Estamos
precisando de pessoas com força de vontade, coragem, garra para trabalhar nas
muitas linhas de Umbanda que serão formadas para prestar a caridade. E como eu
fui convidado a participar, resolvi convidar vocês também! Que acham?
_Olha, eu já tenho
uma experiência disso lá no culto a Jurema Sagrada, o Catimbó! Tô dentro, pode
contar comigo! Eu, Zé Pelintra, vou estar presente nessa nova religião chamada
Umbanda, afinal, se ela num tem preconceito em acolher um “negô” pobre,
malandro e ignorante como eu, então nela e por ela eu vou trabalhar. E que os
Orixás nos protejam!
_Bem, eu num sô homem
de negar batalha não! Também vou tá junto de vocês, eu e todo o meu bando. Na
força de “Padinho” Cícero e de todos os Orixás, que eu nem conheço quem são,
mas já gosto deles assim mesmo...
E o que era pra
transformar - se em uma batalha sangrenta acabou virando uma reunião de amigos.
Nascia ali uma linha de Umbanda, apadrinhada pelo baiano “Severino da Bahia”,
pelo malandro mestre da Jurema “Zé Pelintra” e pelo temido cangaceiro
“Lampião”.
Junto deles vinham
diversas falange. Com o malandro Zé Pelintra vinham os outros malandros
lendários do Rio de Janeiro com seus nomes simbólicos: “Zé Navalha”, “Sete
Facadas”, “Zé da Madrugada”, “7 Navalhadas”, “Zé da Lapa”, “Nego da Lapa”,
entre muitos e muitos outros.
Junto com Lampião
vinha a força do cangaço nordestino: Corisco, Maria Bonita, Jacinto, Raimundo,
Cabeleira, Zé do Sertão, Sinhô Pereira, Xumbinho, Sabino, etc.
Severino trazia toda
uma linha de mestres baianos e baianas: Zé do Coco, Zé da Lua, Simão do Bonfim,
João do Coqueiro, Maria das Graças, Maria das Candeias, Maria Conga, vixi num
acaba mais...
Em homenagem ao irmão
Severino, o intermediador que evitou a guerra entre Zé Pelintra e Lampião, a
linha foi batizada como “Linha dos Baianos”, pois tanto Severino como seus
principais amigos e colaboradores eram “Baianos”.
E uma grande festa
começou ao som do tambor, do pandeiro e da viola, pois nascia ali a linha mais
alegre, mais divertida e "humana" da Umbanda. Uma linha que iria
acolher a qualquer um que quisesse lutar contra os abusos, contra a pobreza, a
injustiça, as diferenças sociais, uma linha que teria na amizade e no
companheirismo sua marca registrada. Uma linha de guerreiros, que um dia
excederam - se na força, mas que hoje lutavam com as mesmas armas, agora
guiados pela bandeira branca de Oxalá.
E, de repente, no
meio da festa, raios, trovões e uma enorme tempestade começaram a cair. Era
Iansã que abençoava todo aquele povo sofrido e batalhador, igualzinho ao povo
brasileiro. A Deusa dos raios e dos ventos acolhia em seus braços todas aqueles
espíritos, guerreiros como ela, que lutavam por mais igualdade e amor no nosso
dia - dia.
E assim acaba a
história que eu ouvi, diretamente de um preto – velho, um dia desses em
Aruanda. Dizem que Zé Pelintra continua tendo uma queda por “Maria Bonita”, mas
deixou isso de lado devido ao respeito que tem pelo irmão Lampião. Falam,
ainda, que no momento ele "namora" uma Pombagira, que conheceu quando
começou a trabalhar dentro das linhas de Umbanda. Por isso é que ele
"baixa", às vezes, disfarçado de Exu...
"Oxente eu sou
baiano, oxente baiano eu sou
Oxente eu sou baiano,
baiano trabalhador
Venho junto de
Corisco, Maria Bonita e Lampião
Trabalhar com Zé
Pelintra
Pra ajudar os meus
irmãos...!"
Povo Baiano
Texto Enviado pelo Médium Aurélio Pereira.
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